A ti, hoje. Só hoje. Porque os dias já não são todos teus, mas este ainda é. Vinte e duas coisas que te devia ter dito antes dos teus vinte e dois anos:
1. Cento e cinquenta e três dias não chegaram para te escrever uma carta. Devia entregar-ta hoje. Uma carta daquelas escritas à mão - e ao coração - e uma mixtape. E um amo-te, se calhar.
O primeiro. Essa carta, queimei-a nas brasas do fogo que fomos um dia. E esse
amor, enterrei-o vivo. Faço-lhe o luto com o silêncio da minha ausência, e em
noites de vagar, sinto-o remexer debaixo da minha pele.
2. Naquele dia de janeiro em que o céu e o
mar deram as mãos, sentámos nos num penedo a olhá-los serem um. Tinhas as meias tingidas de cor-de-rosa e uma vaga para mim no teu coração. Esse foi o dia em que me
beijaste pela segunda vez. Pensei "eu vou amar este homem um dia".
3. Em abril, repousámos dois corpos
cansados e perturbados pela falta de amor no mundo numa cama de ninguém. Demos
ao mundo o amor que achámos que lhe faltava. Deitei-me com um anjo. Parecia-se
contigo.
4. Maio trouxe-me o que eu nunca percebi estar em falta - amor em todos os formatos. Todo o amor que te dei, espero que o guardes. Não o cultivamos mais, mas espero que a memória dos lírios do meu afecto te faça florir sorrisos em dias de tempestade.
5. Não sei se algum dia te soube amar como devia. Sei que houve alturas em que
amei muitas partes de ti. Amei e romantizei muitos dos teus defeitos até me convencer
que a tua ausência era fruto de um coração cansado de dias cheios. Fechei os
olhos porque me era mais fácil. Não quis aceitar que a tua ausência era apenas
o resultado de um coração cansado de
mim.
6. Aceitar que és mais do mundo do que
alguma vez poderias ser meu foi aceitar um luto precoce. Um luto que não me
serve. Foi chorar-te rosas: um encanto com espinhos. Foi aprender que por muito que queiramos plantar amor, há solos que são tóxicos. E tu, tu
foste-me veneno. Teria morrido feliz se a causa fosse uma overdose de ti, desse
amor fora de prazo que carregas. Desistir dessa morte, foi perder o que me
fez sentir viva durante meses.
7. Quando o calor de junho se instalou nas ruas, o frio instalou-se-nos no coração. Continuei a fazer a cama com lençóis de
ternura sobre um estrado de amor. Os lençóis estão velhos e o estrado, partido. Fazemos amor e já não acrescentamos nada ao mundo. Deitei-me com um demónio. Parecia-se contigo.
8. No dia em que partiste conheci o
reverso da racionalidade e do senso. Rocei o limiar da loucura. Gritei orações
ocas a deuses de religiões nas quais não acredito. Pedi-te de volta. Ninguém
ouviu - tu não voltaste. Chorei 53% da água que tinha no corpo e reguei as
petúnias funestas que me plantaste por baixo dos olhos. Cruzas os braços porque
já nãos lhes pertenço. Já não estou em casa. O silêncio grita-me aos ouvidos. E
tu não vens. Tu já não vens.
9. Depois da tua partida, as noites
fáceis morreram-me à porta. As madrugadas mais suportáveis foram passadas a pé. Se me mantivesse acordada, pensava, não teria que aceitar a tua perda todas as manhãs. Durante dias não soube fazer sentido. Respirar fundo queimava - respirei as cinzas do inferno em que me deixaste.
10. Esta carta é um suicídio tropológico.
Virei o coração do avesso. Vêem-se as costuras, as falhas. As bainhas tortas.
Vê-se-me os restos de amor colado às ranhuras do tecido gasto. É amor que fica,
que mancha. É sangue velho. Amor velho. E não sai.
11. Parei de criar desculpas para ti. Quando penso nos meses quentes que assistiram ao desmembramento do nosso amor, compreendo coisas que na altura me recusava a ver. Não acredito que alguma vez tenhas sido inteiramente meu. Mas meu deus, como fui tua. O ruído de fundo que ouvia quando não estavas, disseram-me ser Deus que se ria de mim e do meu amor por ti que me crescia às mãos cheias todos os dias e me fazia querer acreditar em algo que me tirasse da cama às segundas de manhã. Se há um deus, tem um sentido de humor doentio. Não acredito em deus. Agora também questiono o amor.
12. Há dias que doem menos. Nesses dias
respiro fundo e penso que o que não dói agora, vai doer em breve. Se também tu tens noites dessas em que o amor não vem, arranja espaço para a minha solidão saudosa no colo da tua espera. Faremos companhia um ao outro.
13. Ainda não sei se foi loucura ou estado
de graça.
14. Foi loucura.
15. Foi estado de graça.
16. Partilhámos o corpo e a cama. Porque
não partilhámos o resto?
17. Tinha a vida de dez mundos dentro de
mim. Agora sou as sobras de matéria humana, crua e entorpecida. Faz-me falta a
cavidade que o peso do teu corpo deixava no colchão, onde o teu calor se
aninhava para me receber quando te levantavas. Agora não me consigo lembrar da
beleza do sono e a cama parece-me tão estrangeira quanto a terra que te viu nascer.
18. Choro com frequência desde que partiste. Às vezes choro a lavar a loiça, outras vezes choro porque outra coisa qualquer me pesa e acabo a chorar por ti. Sessões de 30 minutos de choro convulsivo. É um desperdício - o numero 30 é tão bonito. 30 dias de amor, 30 beijinhos de nicotina, 30 km sempre em frente no teu volvo antigo. Desperdiça-mo-lo assim: 30 minutos de saudade crua que me consome de dentro para fora e me dói como se os ossos me fossem de cristal debaixo do peso do nosso amor, que finjo não existir.
19. As tuas mãos serão sempre as que mais gosto. Não há no mundo mãos que sejam tão agrestes e delicadas. Não haverá mãos que me voltem a tocar assim ou a inspirar-me amor e poemas. Essas mãos podem carregar um mundo, e tão facilmente, ruí-lo. As tuas mãos reflectem tudo o que és e espero que tenham sempre um propósito que as honre, ainda que já não passe por aquecer as minhas no próximo inverno.
20. Eu não preciso de ti. Posso querer-te trágica e perversamente no meu dia a dia, como a enferma mártir que se alimenta de uma tortura doentia e poética que este amor fez de mim - mas certamente não preciso de ti.
21. "And when I'm hanging on by the rings around my eyes and I convince myself I need another, for a minute it gets easier to pretend that you were just some lover". As letras das bandas que gostamos contam-me agora histórias de desamor que me soam a um eco lícito da nossa.
22. Parabéns. Não sei ao certo o que faz um rapazinho de doze anos no corpo de um homem de vinte e dois, mas aprendi a amar ambos. Esse amor já não importa, porque não interessa que te tenha amado ou que te ame ou o amor que guardaste para ti porque não sabias como partilhar - mudaste-me. Ainda não sei se me tornaste melhor, mas tornaste-me mulher. Olho para o mundo de uma maneira diferente. Agora procuro novos hábitos. Hábitos que não passem por pensar em ti sempre que oiço Keaton Henson ou procurar por vestígios de ti sempre que passo à tua porta. Hábitos melhores. Isto sou eu a ser crescida, a admitir-te que te amei, apesar da tua falta de jeito para deixar que te amem. Que fui feliz. Que nunca me poderia arrepender disso. Estou a fazer as pazes com os fantasmas, a convidá-los para se sentarem à mesa. Nas entrelinhas desta carta vivem vários eus, e todos se contradizem e querem ter razão, mas concordam que não há poesia como a do coração, não há amor que não doa um bocadinho. Foi amor e acabou. Agora guarda-se o que resta numa gaveta para não magoar o coração e quando te vejo, finjo. Nego-me o direito de pensar sequer que um dia acordámos na mesma cama. Espero que nunca percas esse amor à vida, e que um dia faças espaço a um cantinho do coração para outro tipo de amor. Faz-me um favor e sê sempre assim: feliz. Até nos dias tristes.
19. As tuas mãos serão sempre as que mais gosto. Não há no mundo mãos que sejam tão agrestes e delicadas. Não haverá mãos que me voltem a tocar assim ou a inspirar-me amor e poemas. Essas mãos podem carregar um mundo, e tão facilmente, ruí-lo. As tuas mãos reflectem tudo o que és e espero que tenham sempre um propósito que as honre, ainda que já não passe por aquecer as minhas no próximo inverno.
20. Eu não preciso de ti. Posso querer-te trágica e perversamente no meu dia a dia, como a enferma mártir que se alimenta de uma tortura doentia e poética que este amor fez de mim - mas certamente não preciso de ti.
21. "And when I'm hanging on by the rings around my eyes and I convince myself I need another, for a minute it gets easier to pretend that you were just some lover". As letras das bandas que gostamos contam-me agora histórias de desamor que me soam a um eco lícito da nossa.
22. Parabéns. Não sei ao certo o que faz um rapazinho de doze anos no corpo de um homem de vinte e dois, mas aprendi a amar ambos. Esse amor já não importa, porque não interessa que te tenha amado ou que te ame ou o amor que guardaste para ti porque não sabias como partilhar - mudaste-me. Ainda não sei se me tornaste melhor, mas tornaste-me mulher. Olho para o mundo de uma maneira diferente. Agora procuro novos hábitos. Hábitos que não passem por pensar em ti sempre que oiço Keaton Henson ou procurar por vestígios de ti sempre que passo à tua porta. Hábitos melhores. Isto sou eu a ser crescida, a admitir-te que te amei, apesar da tua falta de jeito para deixar que te amem. Que fui feliz. Que nunca me poderia arrepender disso. Estou a fazer as pazes com os fantasmas, a convidá-los para se sentarem à mesa. Nas entrelinhas desta carta vivem vários eus, e todos se contradizem e querem ter razão, mas concordam que não há poesia como a do coração, não há amor que não doa um bocadinho. Foi amor e acabou. Agora guarda-se o que resta numa gaveta para não magoar o coração e quando te vejo, finjo. Nego-me o direito de pensar sequer que um dia acordámos na mesma cama. Espero que nunca percas esse amor à vida, e que um dia faças espaço a um cantinho do coração para outro tipo de amor. Faz-me um favor e sê sempre assim: feliz. Até nos dias tristes.
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Há coisas que nos marcam na nossa vida, e tu tens estas.
ResponderEliminarVou-te seguir Jessica, beijinho :)
R. Obrigada por partilhares comigo esse bocadinho de ti :')
ResponderEliminarEstá tão perfeito.
ResponderEliminarler-te é tão triste que me comove e me faz querer estar sempre perto. mesmo se esse é o lado menos certo.
ResponderEliminarAdorei tanto este post...
ResponderEliminarDemorei para responder ao teu comentário porque não tinha palavras para descrever o quanto fizeste valer a pena o que escrevi, o como o teu comentário superou em muito o que estavas a comentar. A qualidade do que me disseste é para lá de muito maior do que aquilo que eu escrevi. E, por isso, também tu me tocas-te. Muito, muito obrigada. Habitualmente deixas-me sempre palavras para responder ou comentar, mas esta ocasião foi ainda mais especial. Um beijinho enorme.
ResponderEliminarE depois de ler isto - e chorar e sentir desalmadamente - obrigada outra vez.
ResponderEliminarArrancaste-me e devolveste-me o coração ao peito. Adoro. E adoro que a esta história me faça lembrar a minha porque são as duas bonitas, acho.
"Fazes-me sentir um bocadinho mais compreendida, menos insana"... tal e qual.
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