Naquela tarde tu não apareceste á hora marcada, como de costume. Nem á hora marcada nem a outra qualquer, naquela tarde pura e simplesmente deixaste-me á espera e não me trouxeste as palavras bonitas e a sensação de que a teu lado o tempo não é mais do que nada, como já era hábito.
A verdade é que sem ti os dias parecem anos e eu senti muito a falta desse teu talento nato para me dizer aquilo que só tu sabias dizer e que mesmo que fosse dito por outro alguém nunca teria o mesmo significado, só a ti cabia a função de dar vida àquelas palavras.
Mas não naquela tarde. Aquela foi a tarde em que te deixaste ficar algures num outro sítio, a fazer uma outra coisa que não consigo sequer dizer o que seria, e quiçá, numa outra companhia que não a minha, e à conta disso, naquela tarde (e na noite que a procedeu) tudo se fez sentir diferente para mim.
O meu espírito não esteve livre como de costume, não pude gozar de uma paz interior inexistente, não tive como não pensar em ti. Ás vezes ainda me pergunto se o teu espírito reagiria á minha ausência da mesma forma que o meu reagia á tua, mas não é assunto em que perca muito tempo a pensar, até porque lá no fundo acho que sei a resposta.
É claro que não. É que o teu espírito meu amor, é livre. Tão livre que quando faz questão de viver essa liberdade tão exacerbada aos olhares de terceiros, provoca inveja.
Não a todos, acredito. Penso que existirão por aí outros como tu, outros espíritos tão livres que possuem até liberdade suficiente para roubar a liberdade de outros espíritos mais frágeis e ingénuos como o meu, espíritos que anseiam pela chegada de um outro espírito cujo peso da liberdade já canse demasiado e que, por isso, traga consigo intenções de se deixar acorrentar ficando para trás também um pouco da sua liberdade.
Foi o que eu fiz. Deixei que me acorrentasses, mas tu não fizeste o mesmo. Talvez a culpa tenha sido minha; talvez não estivesses preparado para essa responsabilidade, para receber essa parte de mim; talvez a única coisa que procurasses fosse alguém para escutar e elogiar o teu talento com as palavras e quem errou fui eu que encarei a tua eloquência como uma amostra de desejo de partilha.
Agora estou presa a ti e sinto que o peso do arrependimento e da saudade consegue ser maior do que o da liberdade, e queria apenas que me fosse concedido um momento de paz, uma oportunidade para regressar ao dia em que me deixei guiar pela aliciante preguiça e decidi ver-me livre do peso da minha liberdade, para hoje não ter que carregar sobre os ombros outro mais insuportável.
Mas meu amor, não podias ter vindo só mais aquela tarde?
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